“Você terminou a sua coluna para o prazo de amanhã?” Era a
Vee. Ela apareceu ao meu lado, anotando no caderno que ela carregava para todo
lugar. “Estou pensando em escrever a minha sobre a injustiça do mapa de
assentos. Eu fiquei com uma garota que disse que tinha acabado um tratamento
para piolho essa manhã.”
“Meu novo parceiro,” eu disse, apontando no corredor para
as costas de Thur. Ele tinha um andar irritantemente confiante, do tipo que
você acha combinado com camisetas desbotadas e um chapéu de caubói. Thur não
usava nenhum dos dois. Ele era um garoto do tipo
Levi’s-escura-jaqueta-escura-botas-escuras.
“O veterano transferido? Acho que ele não estudou o
bastante da primeira vez. Ou da segunda.” Ela me deu um olhar astucioso. “Na
terceira ele tem sorte.”
“Ele me dá arrepios. Ele conhecia a minha música. Sem
qualquer dica, ele disse, ‘Barroco’.” Eu fiz uma péssima imitação de sua voz
baixa.
“Chute de sorte?”
“Ele sabia.... outras coisas.”
“Como o quê?”
Eu soltei um suspiro. Ele sabia mais do que eu queria
contemplar confortavelmente.
“Tipo como me enlouquecer,” eu disse por fim. “Eu vou
dizer ao Treinador que ele tem que nos trocar de volta.”
“Vai nessa. Eu podia ter um gancho para o meu próximo
artigo no eZine. ‘Segunda-anista Defende-se.’ Melhor ainda, ‘Mapa de Assento
Leva um Tapa na Cara.’ Hmm. Eu gostei.”
No final do dia, fui eu quem levou um tapa na cara. O
Treinador recusou meu pedido para repensar o mapa de assentos. Parecia que eu
estava presa com o Arthur.
Por ora.
3 Abreviação de Marcheshvan. É o oitavo mês do calendário
hebraico, e geralmente cai entre outubro/novembro no calendário gregoriano.
4 Do hebraico, ‘aqueles que caíram’ (anjos).
MINHA MÃE E EU VIVÍAMOS EM UMA
FRIA
casa de fazenda do século dezoito no limite de
Coldwater. É a única casa na Alameda Hawthorne, e os vizinhos mais próximos
estão há quase 1,6 quilômetros de distância. Às vezes me pergunto se o
construtor original percebeu que de todos os pedaços de terra disponíveis, ele
decidiu construir a casa no olho de uma misteriosa inversão atmosférica que
parece sugar toda a névoa da costa do Maine e transplantá-la no nosso jardim. A
casa estava nesse momento velada por uma melancolia que lembrava espíritos que
escaparam e estão vagando.
Eu passei a noite plantada em
um banquinho de bar na cozinha na companhia da lição de álgebra e Dorothea,
nossa governanta. Minha mãe trabalha para a Empresa de Leião Hugo Renaldi,
coordenando leilões imobiliários e de antiguidades em toda a costa oeste. Essa
semana ela estava em Charleston, Carolina do Sul. Seu trabalho requeria muitas
viagens, e ela pagava Dorothea para cozinhar e limpar, mas eu estava bem certa
de que as letras miúdas da descrição do trabalho da Dorothea incluíam manter um
olho observador e parental em mim.
“Como foi a escola?” Dorothea
perguntou com um ligeiro sotaque alemão. Ela estava de pé na cozinha,
esfregando lasanha cozida demais de uma caçarola.
“Tenho um novo parceiro de
biologia.”
“Isso é uma coisa boa, ou uma
coisa ruim?”
“Vee era a minha antiga
parceira.”
“Hum.” Mais esfregação
vigorosa, e a carne na parte superior do braço de Dorothea sacolejou. “Uma
coisa ruim, então.”
Eu suspirei em concordância.
“Me conte sobre a sua nova
parceira. Essa garota, como ela é?”
“Ele é alto, moreno, e
irritante.” E misteriosamente fechado. Os olhos de Thur eram órbitas negras.
Retendo tudo e retornando nada. Não que eu quisesse saber mais sobre o
Thur. Já que eu não tinha gostado do que eu tinha visto na superfície, eu
duvidava de que eu gostaria do que estivesse espreitando lá no fundo.
Só que, isso não era exatamente
verdade. Eu tinha gostado muito do que eu tinha visto. Músculos longos e
magros em seus braços, ombros largos, mas relaxados, e um sorriso que era
parcialmente brincalhão, parcialmente sedutor.
Eu estava em uma aliança
incômoda comigo mesma, tentando ignorar o que começara a parecer irresistível.
Às nove horas, Dorothea
terminou o jantar e trancou a casa ao sair. Como forma de adeus, eu pisquei as
luzes da varanda duas vezes; elas devem deve ter penetrado a névoa, porque ela
respondeu com uma buzina. Eu estava sozinha.
Eu fiz um inventário dos sentimentos
brincando dentro de mim. Eu não estava com fome. Eu não estava cansada. Eu não
estava nem mesmo tão solitária. Mas eu estava um pouco inquieta sobre a
minha tarefa de biologia. Eu tinha dito ao Thur que eu não ligaria, e seis
horas atrás eu tinha falado sério. Tudo em que eu podia pensar agora era que eu
não queria falhar. Biologia era a minha matéria mais difícil. Minha nota
oscilava problematicamente entre 9 e 8. Na minha mente, essa era a diferença
entre uma bolsa de estudos integral e parcial no meu futuro.
Eu fui para a cozinha e peguei
o telefone. Eu olhei para o que tinha sobrado dos sete números ainda tatuados
na minha mão. Secretamente, eu esperava que o Thur não atendesse a minha
ligação. Se ele não estivesse disponível ou cooperasse nas tarefas, era uma
evidência que eu podia usar contra ele para convencer o Treinador a desfazer o
mapa de assentos. Sentindo-me esperançosa, eu digitei seu número.
Thur respondeu no terceiro
toque.
“E aí?”
Em um tom prosaico, eu disse,
“Estou ligando para ver se podemos nos encontrar hoje à noite. Eu sei que você
disse que está ocupado, mas –”
“Lua.” Thur disse meu nome como
se fosse a parte final de uma piada. “Achei que você não fosse ligar. Nunca.”
Eu odiava estar comendo as
minhas palavras. Eu odiava o Thur por estar esfregando-as. Eu odiava o
Treinador por suas tarefas enlouquecedoras. Eu abri minha boca, esperando que
algo inteligente saísse.
“Bem, podemos nos encontrar ou
não?”
“Acontece que eu não posso.”
“Não pode ou não vai?”
“Estou no meio de um jogo de
sinuca.” Eu ouvi o sorriso em sua voz. “Um jogo de sinuca importante.”
Pelo barulho de fundo que eu
ouvi em sua linha, eu acreditava que ele estava dizendo a verdade – sobre o
jogo de sinuca. Se isso era mais importante que a minha tarefa de biologia, era
debatível.
“Onde você está?” eu perguntei.
“Bo's Arcade. Não é o seu tipo
de lugar.”
“Então vamos fazer a entrevista
no telefone. Eu tenho uma lista de perguntas bem –”
Ele desligou na minha cara.
Eu encarei o telefone em
descrença, então arranquei uma folha de papel em branco do meu caderno. Eu
rabisquei Babaca na primeira linha. Na linha abaixo dessa eu acrescentei
Fuma charutos. Vai morrer de câncer de pulmão. Com sorte logo. Excelente
forma física.
Eu imediatamente risquei a última
observação até que ficasse ilegível.
O relógio do micro-ondas
piscava 21:05. Da minha perspectiva, eu tinha duas escolhas. Ou eu inventava
minha entrevista com o Thur, ou eu dirigia até a Bo's Arcade. A primeira opção
podia ter sido tentadora, se ao menos pudesse bloquear a voz do Treinador
alertando que ele checaria todas as respostas para autenticidade. Eu não conhecia
o suficiente sobre Thur para blefar a entrevista inteira. E a segunda opção?
Nem mesmo remotamente tentadora.
Eu atrasei tomar uma decisão
tempo o bastante para ligar para minha mãe. Parte do nosso acordo para ela
trabalhar e viajar tanto era que eu agisse responsavelmente e não fosse o tipo
de filha que requisitasse supervisão constante. Eu gostava da minha liberdade,
e eu não queria fazer nada para dar à minha mãe uma razão para cortar seu
salário e pegar um trabalho local para ficar de olho em mim.
No quarto toque, seu correio de
voz atendeu.
“Sou eu,” eu disse. “Só estou
checando. Tenho lição de biologia para terminar, depois eu vou para a cama. Me
ligue no almoço, se você quiser. Te amo.”
Depois de desligar, eu achei
uma moeda de 25 centavos na gaveta da cozinha. É melhor deixar decisões
complicadas para o destino.
“Cara eu vou,” eu disse ao
perfil de George Washington. “Coroa eu fico.” Eu joguei a moeda de 25 centavos
no ar, achatei-a nas costas da minha palma, e ousei dar uma espiada. Meu
coração espremeu uma batida extra, e eu disse a mim mesma que eu não tinha
certeza o que isso significava.
“Não está mais nas minhas mãos
agora,” eu disse.
Determinada a acabar com isso o
mais rápido possível, eu agarrei um mapa da geladeira, apanhei minhas chaves, e
recuei meu Fiat Spider pela estrada. O carro provavelmente fora fofo em 1979,
mas eu não era louca pela pintura marrom chocolate, pela ferrugem se espelhando
desenfreada pelo para-choque traseiro, ou pelos assentos arrebentados de couro
branco.
A Bo's Arcade acabou sendo mais
longe do que eu teria gostado, aninhada perto à costa, uma viagem de trinta
minutos. Com o mapa esticado no volante,
eu parei o Fiat em um
estacionamento atrás de um amplo prédio de blocos cinzas com uma placa elétrica
piscando BO'S ARCADE, MAD BLACK PAINTBALL & OZZ’S POOL HALL. Grafite
salpicava as paredes, e butucas de cigarro pontuavam a calçada. Claramente o
Bo's estaria cheio de futuros estudantes da Ivy League7 e
cidadãos modelo. Eu tentei manter meus pensamentos altivos e indiferentes, mas
meu estômago estava um pouco inquieto. Checando novamente se eu tinha trancado
todas as portas, eu me dirigi para dentro.
7 Grupo de oito
universidades privadas do Nordeste dos Estados Unidos da América. O grupo é
constituído pelas instituições de maior prestígio científico nos Estados Unidos
e no mundo e, assim, atualmente a denominação tem conotação sobretudo de
excelência acadêmica.
Eu fiquei na fila, esperando
passar pelas cordas. Enquanto o grupo à minha frente pagava, eu passei me
espremendo, andando na direção do labirinto de sirenes estrondeantes e das
luzes piscantes.
“Acha que merece um passe
grátis?” gritou uma voz rouca de fumaça.
Eu me virei e pestanejei para o
caixa excepcionalmente tatuado. Eu disse,
“Não estou aqui para brincar. Estou procurando
por alguém.”
Ele resmungou.
“Se quiser passar por mim, tem
que pagar.” Ele colocou suas palmas sobre o balcão, onde uma tabela de preços
tinha sido colada com durex, mostrando que eu devia quinze dólares. Somente
dinheiro.
Eu não tinha dinheiro. E se eu
tivesse, eu não teria desperdiçado-o gastando uns poucos minutos interrogando o
Thur sobre sua vida pessoal. Eu senti um fluxo de raiva pelo mapa de assentos e
por ter que estar aqui em primeiro lugar. Eu só precisava achar o Thur, então
poderíamos assegurar a entrevista do lado de fora. Eu não tinha dirigido até
aqui para ir embora de mãos vazias.
“Se eu não voltar em dois
minutos, eu pago os quinze dólares,” eu disse. Antes que eu pudesse exercitar
um melhor julgamento ou reunir um rico mais de coragem, eu fiz algo totalmente
fora do normal e me abaixei por debaixo das cordas. Eu não parei lá. Eu me
apressei pela arcada, mantendo meus olhos abertos pelo Thur. Eu disse a mim
mesma que não conseguia acreditar que estava fazendo isso, mas eu era como uma
bola de neve rolante, ganhando velocidade e ímpeto. Nesse momento eu só queria
achar o Thur e cair fora.
O caixa me seguiu, gritando,
“Ei!”
Certa de que o Thur não estava
no nível principal, eu corri escada abaixo, seguindo placas para o Ozz’ Pool
Hall. Ao fim da escada, uma trilha de iluminação turva iluminava diversas mesas
de pôquer, todas em uso. Fumaça de charuto quase tão grossa quanto à névoa
envolvendo a minha casa escurecia o teto baixo. Aninhada entre as mesas de
pôquer e o bar estava uma fileira de
mesas de sinuca. Thur estava
esticado na que ficava transversalmente a mim, tentando uma difícil tacada de
mestre.
“Thur!” eu chamei.
Bem quando eu falei, ele atirou
seu taco de sinuca, impulsionando-o no topo da mesa. Sua cabeça levantou-se
rapidamente. Ele me encarou com uma mistura de surpresa e curiosidade.
O caixa claudicou os passos
atrás de mim, mirando no meu ombro com sua mão.
“Para cima. Agora.”
A boca de Thur se deslocou em
outro quase sorriso. Difícil dizer se era zombador ou amigável. “Ela está
comigo.”
Isso pareceu ter alguma
influência com o caixa, que relaxou seu aperto. Antes que ele pudesse mudar de
ideia, eu retirei sua mão e contorci-me entre as mesas na direção de Thur. Eu
andei os primeiros diversos passos a passos largos, mas descobri minha
confiança escorregando quando mais perto eu chegava dele.
Eu fiquei imediatamente
consciente de algo diferente nele. Eu não conseguia exatamente afirmar o que,
mas eu podia sentir isso como eletricidade. Mais animosidade?
Mais confiança.
Mais liberdade de ser ele
mesmo. E aqueles olhos negros estavam me incomodando. Eles eram como imãs,
unindo-se a cada movimento meu. Eu engoli em seco discretamente e tentei
ignorar o enjoativo sapateado no meu estômago. Eu não conseguia exatamente afirmar
o que, mas algo em Thur não era correto. Algo nele não era normal. Algo não
era... seguro.
“Desculpe por ter desligado,”
Thur disse, vindo ao meu lado. “A recepção não é boa aqui embaixo.”
É, tá bom.
Com uma inclinação de sua
cabeça, Thur gesticulou para que os outros fossem embora. Houve um silêncio
inquietante antes que qualquer um se movesse. O primeiro cara a sair bateu no
meu ombro enquanto passava. Eu dei um passo para trás para me equilibrar e
olhei para cima bem em tempo de receber olhares frios de outros dois jogadores
enquanto eles partiam.
Ótimo. Não era minha culpa
que Thur era meu parceiro.
“Bola oito?” Eu perguntei a
ele, levantando minhas sobrancelhas e tentando soar completamente certa de mim
mesma, dos meus arredores.
Talvez ele estivesse certo e o
Bo’s não fosse o meu tipo de lugar. Isso não queria dizer que eu ia correr em
direção às portas. “Em quanto estão às apostas?”
Seu sorriso se alargou. Dessa
vez eu estava bem certa de que ele estava zombando de mim.
“Nós não jogamos por dinheiro.”
Eu coloquei minha bolsa de mão
na ponta da mesa.
“Que pena. Eu ia apostar tudo que eu tenho
contra você.” Eu levantei minha tarefa, duas linhas já preenchidas. “Algumas
rápidas perguntas e estou fora daqui.”
“Babaca?” Thur leu em voz alta,
inclinando-se sobre seu taco de sinuca. “Câncer de pulmão? É pra isso ser
profético?”
Eu ventilei a tarefa pelo ar.
“Assumo que você contribuiu
para a atmosfera. Quantos charutos por noite? Um? Dois?”
“Eu não fumo.” Ele soava
sincero, mas eu não engolia.
“Mm-hmm,” eu disse, deixando o
papel de lado entre a bola oito e a roxa sólida. Eu acidentalmente acotovelei a
roxa sólida enquanto escrevia Charutos, definitivamente na linha três.
“Você está bagunçando o jogo,”
Thur disse, ainda sorrindo.
Eu captei seu olhar e não pude
evitar igualar seu sorriso – brevemente.
“Com sorte não em seu favor.
Maior sonho?” Eu estava orgulhosa dessa porque sabia que iria aturdi-lo. Ela
requeria premeditação.
“Beijar você.”
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