Argh.
“E a névoa sempre piora perto da sua casa,” Vee
continuou.
“Me assusta depois de escuro.”
Eu agarrei as chaves.
“Muito obrigada.”
“Não me culpe. Diga a sua mãe para se mudar mais pra
perto. Diga a ela que tem esse clube novo chamado civilização e que vocês
deveriam se juntar.”
“Suponho que espera que eu te pegue antes da escola
amanhã?”
“As sete e meia seria bom. Café da manhã por minha
conta.”
“É melhor que seja bom.”
“Seja boazinha com o meu bebê.” Ela deu um tapinha no
para-lama do Neon. “Mas não boazinha demais. Não posso fazê-la pensar que tem
melhor aí fora.”
Na viagem para casa eu permiti que meus pensamentos
fizessem uma pequena viagem para Thur.
Vee estava certa – algo sobre ele era incrivelmente
sedutor. E incrivelmente sinistro. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais eu
estava convencida de que algo nele era... estranho. O fato dele gostar de me
antagonizar não era exatamente digno de notícia, mas havia uma diferença entre
me irritar durante a aula e possivelmente me seguir até a biblioteca
para conseguir isso. Não são muitas as pessoas que se dariam a tanto
trabalho... a não ser que tivessem uma boa razão.
Na metade do caminho para casa uma chuva incitou nuvens
finas a cobrirem a estrada. Dividir minha atenção entre a estrada e os controles
no volante, eu tentei localizar os limpadores.
As luzes da rua relinchavam acima e eu me perguntei se
uma tempestade mais forte estava se aproximando. Tão perto assim do oceano o
clima mudava constantemente, e uma pancada de chuva podia rapidamente se
transformar em uma inundação.
Eu acelerei o Neon.
As luzes do lado de fora piscaram novamente. Um
pressentimento gelado espetou a parte de trás do meu pescoço, e os pelos nos
meus braços formigaram. Meu sexto sentido passou para um alerta máximo. Eu me
perguntei se eu achava que estava sendo seguida. Não havia faróis no espelho
retrovisor.
Nada de carros a frente, tampouco. Eu estava
completamente sozinha. Não era um pensamento muito confortante. Eu acelerei o
carro para setenta quilômetros.
Eu achei o limpador, mas mesmo na velocidade máxima eles
não conseguiam manter o ritmo da chuva martelante. O sinaleiro a frente ficou
amarelo.
Eu parei, chequei para ver se o tráfego estava vazio,
então fui para a cruzamento.
Eu escutei o impacto antes de registrar a silhueta negra
derrapando pelo capô do carro.
Eu gritei e pisei fundo no freio. A silhueta golpeou
contra o para-brisa com uma explosão estilhaçante.
Em impulso, eu virei duramente o volante para a direita.
O final do Neon desacelerou, mandando-me girando no cruzamento. A silhueta
rolou e desapareceu pela beirada do capô.
Eu estava segurando minha respiração, apertando o volante
entre minhas mãos de dobras brancas. Eu levantei meu pé dos pedais. O carro
moveu-se rapidamente e parou.
Ele estava agachado a alguns metros, me observando. Ele
não parecia nem um pouco... ferido.
Ele estava vestido totalmente de preto e misturava-se a
noite, dificutando dizer como ele era. De primeira eu não consegui distinguir
nenhum traço facial, e então eu percebi que ele estava usando uma máscara de
esqui.
Ele ficou de pé, fechando a distância entre nós. Ele
achatou suas palmas na janela do lado do motorista. Nossos olhos se conectaram
através dos buracos na máscara. Um sorriso letal pareceu crescer nos dele.
Ele deu outro golpe, o vidro vibrando entre nós.
Eu dei partida no carro. Eu tentei sincronicamente
colocá-lo na primeira marcha, empurrar o acelerador e soltar a embreagem. O
motor entrou em movimento, mas o carro moveu-se rapidamente de novo e morreu.
Eu liguei o motor mais uma vez, mas fui distraída por um
rosnado metálico desafinado. Eu observei com horror enquanto a porta começava a
dobrar. Ele estava arrancando – ela – fora. Eu calquei o carro na primeira.
Meus sapatos deslizaram por sobre os pedais.
O motor rugiu, a agulha de RPM13 no painel cravando na zona vermelha.
Seu punho passou pela janela numa explosão de vidro. Sua
mão tateou meu ombro, fixando-se ao redor da minha mão. Eu dei um grito rouco,
pisou com força no acelerador, e soltei a embreagem. O Neon guinchou em
movimento. Ele segurou, apertando a minha mão, correndo ao lado do carro por
diversos metros antes de soltar.
Eu acelerei para frente com a força da adrenalina. Eu
chequei o espelho retrovisor para ter certeza de que ele não estava me
perseguindo, então empurrei o espelho para encarar a distância. Eu tive que
pressionar os meus lábios juntos para impedi-los de soluçar.
VOANDO POR HAWTHORNE, EU PASSEI PELA MINHA casa, dei a
volta, cortei até Beech, e me dirigi de volta em direção ao centro de
Coldwater. Eu disquei o número da Vee através da agenda eletrônica.
“Algo aconteceu – eu – ele – a coisa – do nada – o Neon
–”
“Está falhando. O quê?”
Eu limpei meu nariz com as costas da minha mão. Eu estava
tremendo até meus dedos do pé. “Ele surgiu do nada.”
“Quem?”
“Ele –” eu tentei prender meus pensamentos e canalizá-los
em palavras. “Ele pulou na frente do carro!”
“Ai, cara. Ai-cara-ai-cara-ai-cara. Você acertou um veado?
Você está bem? E o Bambi?” Ela meio choramingou, meio gemeu. “O Neon?”
Eu abri minha boca, mas Vee me cortou.
“Esquece. Eu tenho seguro. Só me diga que não tem pedaços
de veado em todo o meu bebê... Nada de pedaços de veado, certo?”
Qualquer resposta que eu estive prestes a dar se dissipou
no plano de fundo. Minha mente estava dois passos na frente. Um veado. Talvez
eu conseguisse fazer o negócio todo parecer com uma batida em um veado. Eu
queria me confidenciar na Vee, mas eu não queria soar louca, tampouco. Como eu
ia explicar assistir ao cara que eu tinha atingido se levantar e começar a
arrancar a porta do carro? Eu estiquei meu colarinho para baixo do meu ombro.
Nenhuma marca vermelha onde ele tinha me agarrado, que eu conseguisse ver...
Eu me dei conta de mim mesma com assombro. Eu realmente
estava considerando negar o que tinha acontecido? Eu sabia o que eu
tinha visto. Não foi a minha imaginação.
“Santa bizarrice,” Vee disse. “Você não está respondendo.
O veado está preso nos faróis, não está? Você está dirigindo por aí com ele
travado na frente do carro como um trator para evacuar neve.”
“Posso dormir na sua casa?” Eu queria sair das ruas. Sair
da escuridão. Com uma inspiração súbita de ar, eu percebi que para ir para a
casa da Vee, eu teria que dirigir de volta pelo cruzamento onde eu tinha
atingido-o.
“Eu estou no meu quarto,” disse Vee. “Pode entrar. Te
vejo daqui a pouco.”
Com as minhas mãos apertadas no volante, eu empurrei o
Neon pela chuva, rezando para que o sinal em Hawthorne estivesse verde em meu
favor. Estava, e eu ladrilhei pelo cruzamento, mantendo meus olhos diretamente
a frente, mas ao mesmo tempo, roubando olhadelas para as sombras ao lado da
estrada. Não havia sinal do cara de máscara de esqui.
Dez minutos mais tarde eu estacionei o Neon na entrada da
Vee. O dano à porta era extensivo, e eu tive que colocar meu pé nela e chutar
para conseguir sair. Então eu corri para a porta da frente, escapuli para
dentro, e corri pela escada do porão.
Vee estava sentada de pernas cruzadas em sua cama, o
caderno apoiado em seus joelhos, os fones enfiados, o iPod ligado no máximo.
“Eu quero ver o dano hoje a noite, ou devo esperar até ter pelo menos tido sete
horas de sono?” ela disse por cima da música.
“Talvez a opção número dois.”
Vee fechou o caderno e tirou os fones. “Vamos acabar com
isso logo.”
Quando fomos para fora, eu encarei o Neon por um longo
tempo. Não era uma noite quente, mas o tempo não era a causa dos arrepios
ondulando nos meus braços. Nada de janela do lado do motorista quebrada. Nada
de amasso na porta.
“Algo não está certo,” eu disse. Mas Vee não estava
escutando. Ela estava ocupada inspecionando cada centímetro quadrado do Neon.
Eu dei um passo para frente e cutuquei a janela do lado
do motorista. Vidro sólido. Eu fechei meus olhos. Quando eu os reabri, a janela
ainda estava intacta.
Eu dei uma volta pela traseira do carro. Eu tinha quase
completado uma volta inteira quando eu parei de imediato.
Uma fina rachadura no para-brisa.
Vee a viu ao mesmo tempo. “Tem certeza de que não foi um
esquilo?”
Minha mente relampejou de volta para os olhos letais
atrás da máscara de esqui. Eles eram tão negros que eu não conseguia distinguir
as pupilas das íris. Negros como... os de Thur.
“Olhe para mim, estou chorando lágrimas de alegria,” Vee
disse, esparramando-se sobre o capô do Neon em um abraço. “Uma rachadura
minusculinha. Só isso!”
Eu fabriquei um sorriso, mas meu estômago azedou-se. Há
cinco minutos, a janela estava quebrada e a porta estava curvada. Olhando para
o carro agora, parecia impossível. Não, parecia loucura. Mas eu vi o
punho dele dar um soco no vidro, e eu senti as unhas dele mordiscarem
meu ombro.
Não tinha?
Quanto mais eu tentava relembrar da batida, mais eu não
conseguia. Pequenas manchas de informação perdida cruzavam minha memória. Os detalhes
estavam se dissipando. Ele era alto? Baixo? Magro? Grande? Ele tinha dito
alguma coisa?
Eu não conseguia me lembrar. Essa era a parte mais
assustadora.
Vee e eu deixamos sua cama as sete e quinze na manhã
seguinte e dirigimos até o Enzo’s Bistro para tomar de café da manhã leite
fervido. Com minhas mãos encaixadas ao redor da minha xícara de porcelana, eu
tentei aquecer o frio profundo dentro de mim. Eu tinha tomado banho, colocado
uma veste de baixo e um cardigã emprestados do armário da Vee, e posto um pouco
de maquiagem, mas eu mal lembrava de ter feito isso.
“Não olhe agora,” Vee disse. “mas o Sr. Suéter Verde fica
olhando para cá, estimando suas longas pernas pela sua calça jeans... Ah! Ele
acabou de me saudar. Não estou brincando. Uma saudaçãozinha militar de dois
dedos. Que adorável.”
Eu não estava escutando. O acidente da noite passada
tinha repassado inteiramente na minha cabeça a noite toda, perseguindo qualquer
chance de sono. Meus pensamentos estavam embaralhados, meus olhos estavam secos
e pesados, e eu não conseguia me concentrar.
“O Sr. Suéter Verde parece normal, mas o companheiro dele
parece um bad boy da pesada,” disse Vee. “Emite um certo sinal não-mexa-comigo.
Diz que ele não parece com a cria do Drácula. Diz que eu estou imaginando
coisas.”
Levantando meus olhos justamente o bastante para dar uma
olhada nele sem parecer que eu estava, eu absorvi seu rosto lindo de ossos
suaves. Cabelo loiro pairava em seus ombros. Olhos da cor de cromo. Barba por
fazer. Impecavelmente vestido em uma jaqueta impecável e calça jeans escura de
designer. Eu disse, “Você está imaginando coisas.”
“Você deixou passar os olhos inexpressivos? A linha
capilar em V? O porte alto e esbelto? Ele talvez até seja alto o bastante para
mim.”
Vee tem quase 1,83 metros, mas ela tem uma quedinha por
saltos. Saltos altos. Ela também tem uma regra sobre não namorar caras baixos.
“Está bem, qual o problema?” Vee perguntou. “Você ficou
toda incomunicável. Isso não é por causa da rachadura no para-brisa, é? E daí
que você atingiu um animal? Podia acontecer a qualquer um. Claro, as chances
seriam muito menores se a sua mãe se mudasse do mato.”
Eu ia contar a Vee a verdade sobre o que tinha
acontecido. Em breve. Eu só precisava de um pouco de tempo para ordenar os detalhes.
O problema era que eu não via como eu poderia. Os únicos detalhes sobrando eram
assustadores, na melhor das hipóteses. Era como se uma borracha tivesse apagado
a minha memória. Pensando de volta, eu me lembrava da chuva pesada caindo como
cascata nas janelas do Neon, fazendo com que tudo ficasse borrado. Eu teria de
fato atingido um veado?
“Hmm, dá uma olhada nisso,” disse Vee. “O Sr. Suéter
Verde está saindo do seu assento. Agora, esse é um corpo que frequenta a
academia regularmente. Ele definitivamente está caminhando na nossa direção,
seus olhos procurando a propriedade, a sua propriedade, isso é.”
Uma meia batida mais tarde, fomos cumprimentadas por um
baixo e agradável, “Olá.”
Vee e eu olhamos para cima ao mesmo tempo. O Sr. Suéter
Verde estava atrás da nossa mesa, seus dedões presos nos bolsos de sua calça
jeans. Ele tinha olhos azuis, com cabelo loiro estilosamente bagunçado
arrastado em sua testa.
“Olá para você,” Vee disse. “Eu sou Vee. Esta é Lua
blanco.”
Adaptada por: Millys
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