Capitulo 3 parte 1
“Posso ajudar” Eu me forcei a sorrir para a
secretária do escritório principal, esperando não parecer tão desonesta quanto
eu me sentia.
“Eu tenho uma
receita que tomo diariamente na escola, e minha amiga –”
Minha voz ficou
presa na palavra, e eu me perguntei se depois de hoje eu chamaria Vee de minha
amiga novamente.
“– minha amiga me
informou que eu tenho que registrá-la com a enfermeira. Você sabe se isso está
correto?”
Eu não conseguia
acreditar que estava parada aqui, pretendendo fazer algo ilegal. Ultimamente,
eu estava exibindo muitos comportamentos não-característicos. Primeiro eu tinha
seguido Thur para uma arcada de má reputação tarde da noite. Agora eu estava a
beira de bisbilhotar seu arquivo estudantil. Qual era o meu problema? Não –
qual era o problema do Thur, que quando se tratava dele, eu não conseguia parar
de exercer maus julgamentos.
“Ah, sim,” a
secretaria disse solenemente.
“Todos os remédios
precisam ser registrados. A enfermaria é aqui por trás, terceira porta à
esquerda, do outro lado dos registros estudantis.”
Ela gesticulou para o corredor atrás dela.
“Se a enfermeira
não estiver lá, você pode se sentar na cama portátil dentro do escritório dela.
Ela deve voltar a qualquer minuto.”
Eu fabriquei outro
sorriso. Eu realmente esperava que fosse ser tão fácil.
Dirigindo-me para o
corredor, eu parei para diversas vezes para checar sobre meu ombro. Ninguém
veio atrás de mim.
O telefone no
escritório principal estava tocando, mas soava como um mundo distante do
corredor turvo onde eu estava. Eu estava totalmente sozinha, livre para fazer o
que eu desejava.
Eu parei com tudo
na terceira porta à esquerda. Eu inspirei e bati, mas estava óbvio pela janela
escura que a sala estava vazia. Eu empurrei a porta. Ela se moveu com
relutância, abrindo com um rangido para uma sala compacta com azulejo branco
desgastado. Eu fiquei de pé na entrada por um momento, quase desejando que a
enfermeira aparecesse para que eu não tivesse escolha a não ser registrar
minhas pílulas de ferro e ir embora. Um rápido olhar para o outro lado do
corredor revelou uma porta com uma janela escrita REGISTROS ESTUDANTIS. Ela
também estava escura.
Eu foquei minha
atenção em um pensamento importunador no fundo da minha mente. Thur alegava que
ele não tinha ido para escola no ano passado. Eu estava bem certa de que ele
estava mentindo, mas se ele não estivesse ele ao menos teria um registro
estudantil? Ele teria um endereço residencial pelo menos, eu deduzi. E uma
ficha médica, e as notas do último semestre. Ainda assim. Uma possível
suspensão parecia um preço grande para pagar para espiar a ficha médica de
Thur.
Eu inclinei um
ombro contra a parede e chequei meu relógio. Vee me dissera para esperar pelo
seu sinal. Ela disse que seria óbvio.
Ótimo.
O telefone no
escritório principal tocou novamente, e a secretária atendeu.
Mastigando meu lábio,
eu roubei uma segunda espiada na porta rotulada REGISTROS ESTUDANTIS. Havia uma
boa chance dela estar trancada. Arquivos estudantis provavelmente com
considerados de alta segurança. Não importava que tipo de distração Vee
criasse, se a porta estivesse trancada, eu não entraria.
Eu mudei a minha
mochila para o ombro oposto. Outro minuto passou. Eu disse a mim mesma que
talvez devesse ir embora...
Por outro lado, e
se Vee estivesse certa? E se Thur tivesse um passado criminal? Como sua
parceira de biologia, contato regular com ele podia me colocar em perigo. Eu
tinha uma responsabilidade de me proteger... não tinha?
Se a porta
estivesse destrancada e os arquivos estivessem em ordem alfabética, eu não
teria problema algum em localizar o arquivo de Thur rapidamente. Acrescente
outros poucos segundos para folhear seu arquivo por algum sinal de perigo, e eu
provavelmente poderia entrar e sair da sala em menos e um minuto. O que era tão
breve que poderia parecer que eu não tinha entrado de modo algum.
As coisas tinham
ficado estranhamente silenciosas no escritório principal. De repente Vee
circulou a esquina. Ela se esgueirou pela parede na minha direção, andando
agachada, arrastando suas mãos pela parede, roubando olhares clandestinos por
sobre o seu ombro. Era o tipo de andar que espiões elaboravam em filmes
antigos.
“Tudo está sob
controle,” ela sussurrou.
“O que aconteceu
com a secretária?”
“Ela teve que sair
do escritório por um minuto.”
“Teve que? Você não
a incapacitou, foi?”
“Não dessa vez.”
Graças a Deus pelas
pequenas misericórdias.
“Eu alertei uma
amiga de bomba do telefone público lá fora,” Vee disse. “A secretária ligou
para a polícia, então correu para achar o diretor.”
“Vee!”
Ela bateu em seu
pulso.
“A hora está
passando. Não queremos estar aqui quando os tiras chegarem.”
Nem me diga.
Vee e eu medimos a
porta para os registros estudantis.
“Mexa-se,” Vee
disse, batendo-me com seu quadril.
Ela abaixou sua
manga sobre seu pulso e o bateu na janela.
Nada aconteceu.
“Isso foi só pra praticar,”
ela disse. Ela recuou para dar outro soco e eu agarrei seu braço.
“Pode estar
destrancada,” eu virei a maçaneta e a porta se abriu.
“Isso não foi tão
divertido,” disse Vee.
Uma questão de
opinião.
“Entra você,” Vee
instruiu. “Eu vou ficar de vigilância. Se tudo correr bem, nós nos
encontraremos em uma hora. Encontre-me no restaurante mexicano na esquina da
Drake com a Beech.” Ela andou agachada pelo corredor.
Eu fiquei sozinha
de pé parcialmente dentro e parcialmente fora da sala estreita alinhada à
parede com armários. Antes que a minha consciência me convencesse, eu entrei e
fechei a porta atrás de mim, pressionando as minhas costas contra ela.
Com um fôlego
profundo, eu escorreguei a minha mochila e me apressei, arrastando meu dedo
pela frente dos armários. Eu achei a gaveta marcada CAR-CUV. Com um puxão, a
gaveta se abriu com uma pancada. As etiquetas nos arquivos estavam escritas a
mão, e eu me perguntei se Coldwater High era a última escola no país não
computadorizada.
Meus olhos passaram
pelo nome “Cipriano.”
Eu puxei o arquivo
da gaveta entupida com violência. Eu o segurei em minhas mãos por um momento,
tentando me convencer que não havia nada de muito errado com o que eu estava
prestes a fazer. E daí que havia informações confidenciais dentro? Como
parceira de biologia do Thur, eu tinha o direito de saber dessas coisas.
Do lado de fora,
vozes encheram o corredor.
Eu remexi no
arquivo aberto e imediatamente recuei. Não fazia sentido algum.
As vozes avançaram.
Eu enfiei o arquivo
ao acaso dentro da gaveta e dei um empurrão, fazendo-a agitar-se de volta no
armário. Enquanto eu me virava, eu congelei. Do outro lado da janela, o diretor
estava parado a meio caminho, seu olhar fechando-se sobre mim.
O que quer que ele
estivera dizendo para o grupo, que consistia de todos os maiores membros do
conselho da escola, dissipou-se.
“Me dêem licença
por um instante,” eu o ouvi dizer. O grupo continuou acotovelando-se para
frente. Ele não.
Ele abriu a porta.
“Essa área é fora dos limites para estudantes.”
Eu coloquei uma
cara indefesa. “Eu sinto tanto. Estou tentando achar a enfermaria. A secretária
disse que era a terceira porta a direita, mas eu acho que contei errado...” Eu
joguei minhas mãos para cima.
“Estou perdida.”
Antes que ele pudesse
responder, eu puxei com violência o zíper da minha mochila.
“Eu deveria
registrá-las. Pílulas de ferro,” eu expliquei. “Eu sou anêmica.”
Ele me estudou por
um momento, sua testa enrugando. Eu achei que conseguia vê-lo pesando suas
opções: ficar por aqui e lidar comigo, ou lidar com a ameaça de bomba. Ele
sacudiu seu queixo porta afora.
“Eu preciso que
você saia do prédio imediatamente.”
Ele sustentou a
porta aberta e eu me abaixei por debaixo do seu braço, meu sorriso sofrendo um
colapso.
***
Uma hora mais tarde
eu deslizei numa cabine de canto no restaurante mexicano na esquina do Drake
com a Beech. Um cacto de cerâmica e um coiote empalhado estavam na parede acima
de mim. Um homem usando um sombrero mais largo do que ele era alto passou
vagueando. Dedilhando cordas em seu vidão, ele me fez uma serenata enquanto o
hostess colocava cardápios na mesa. Eu franzi a testa para o símbolo no copo da
frente. The Borderline. Eu não tinha comido aqui antes, mas ainda assim algo no
nome me soava vagamente familiar.
Vee surgiu atrás de
mim e caiu no assento oposto. Nosso garçom seguia de perto.
“Quatro chimis15, creme de leite extra, uma porção de nachos, e uma porção de feijões
pretos,” Vee disse a ele sem consultar o cardápio.
15
“Um red burrito16,” eu disse.
“Contas separadas?”
ele perguntou.
“Eu não vou pagar
por ela,” Vee e eu dissemos ao mesmo tempo.
Após o nosso garçom
ir embora, eu disse, “Quatro chimis. Estou ansiosa em ouvir a conexão com uma
fruta.”
“Nem começa. Eu
estou morrendo de fome. Não comi desde o almoço.” Ela pausou. “Se não contar os
Hot Tamales, o que eu não conto.”
Vee é voluptuosa,
com complexo escandinávio, e de um jeito heterodoxo, incrivelmente sexy.
Houvera dias onde a nossa amizade era a única coisa no caminho da minha inveja.
Perto da Vee, a única coisa que eu tenho a meu favor são as minhas pernas. E
talvez meu metabolismo. Mas definitivamente não o meu cabelo.
“É melhor que ele
traga chips logo,” disse Vee.
“Eu vou ficar com
urticária se eu não comer algo salgado nos próximos quarenta e cinco segundos.
E de qualquer jeito, as primeiras três letras na palavra dieta17 devem te informar o que eu quero que aconteça a ela.”
“Eles fazem salsa
com tomate,” eu apontei. “É vermelho. E abacates são frutas. Eu acho.”
Seu rosto se iluminou.
“E vamos pedir
daiquiris de morango.”
Vee estava certa.
Essa dieta era fácil.
“Já volto,” ela
disse, deslizando para fora da cabine. “Aquele período do mês. Depois disso, eu
quero o furo.”
Enquanto esperava
por ela, eu me encontrei concentrada no assistente de garçom há algumas mesas.
Ele estava trabalhando arduamente esfregando um pano sobre o topo de uma mesa.
Havia algo estranhamente familiar no jeito com que ele se movia, no jeito que
sua camisa caia sobre o arco de suas costas bem definidas. Quase como se ele
suspeitasse que estava sendo observado, ele se endireitou e se virou, seus
olhos fixos nos meus no exato momento em que eu descobri o que era tão familiar
nesse assistente de garçom em particular.
Thur.
Original de: Becca Fitzpatrick
Adaptada por: MILLYS
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